Há quarenta anos, em 8 de outubro, Che Guevara foi assassinado na localidade de La Higuera, Bolívia, um dia depois de seu último combate empreendido com seu grupo que o acompanhou até o final. O aniversário é uma nova oportunidade para rememorar este grande revolucionário que converteu-se em um símbolo com o qual simpatizam milhões em todo mundo. Passados todos esses anos, não nos resta dúvidas de que sua vigência e influência será cada vez mais forte nos setores explorados do Brasil e do mundo.
Sua foto com boina, cabelos despenteados, é, possivelmente, o retrato mais conhecido e reproduzido na atualidade. Durante grande parte da década de 90 – depois do desmoronamento da ex-URSS e a restauração capitalista nos países do chamado “socialismo real”, quando assistíamos uma enorme ofensiva do capitalismo no terreno político, econômico e ideológico – a figura de Che também parecia reduzida a essa foto transformada em um ícone de um aventureiro equivocado ou de um sonhador de algo irrealizável, como se fosse uma imagem vazia, sem conteúdo.
Mas a história não chegou ao fim como torciam alguns e, com o novo século, reacendeu o protagonismo dos explorados pelos quais Guevara tinha dado sua vida. Essa mudança ocorreu intensamente na América Latina, onde insurreições, levantamentos e massivos processos de votações populares transformaram a correlação de forças. Assim, em países como Venezuela, Bolívia e agora Equador, viveram um processo de independência e de ruptura com os velhos regimes neoliberais. As palavras de “socialismo”, “revolução permanente”, internacionalismo”, “integração continental”, “luta contra a burocratização” que estiveram na mente e na prática de Che, voltam a entrar em pauta.
Mas não só na América Latina esses temas ressurgiram, no Brasil também. Mas essas palavras voltaram ao tema não pela força de vontade dos dirigentes formados nos anos sessenta, já que foram em grande parte cooptados pelo discurso e a prática de que o socialismo acabou. Ressurgiram pelas mãos dos novos dirigentes e lutadores dos movimentos sociais, da juventude e daqueles que resistiram ao curso petista e hoje estão na construção do PSOL como uma nova alternativa política da luta socialista. Os de antes estão hoje detrás de escritórios defendendo e executando a gestão social-liberal do governo petista e, frente a essa entrega, que significou também o abandono da moral socialista por uma moral burguesa decadente, Che está vigente mais do que nunca.
Como comemoração reproduzimos o artigo escrito por Nahuel Moreno, quinze dias depois do assassinato de Che e publicado no jornal “A Verdade” do PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores). A década de 60 teve anos de levantamentos revolucionários. A revolução cubana teve enormes conseqüências em nosso continente. Ela abriu novos horizontes para uma infinidade de lutadores que tinham que se sujeitar aos partidos nos moldes dos movimentos nacionalistas burgueses ou nos partidos comunistas, que seguiam as ordens da conciliação de classes emanadas de Moscou. Provocou o despertar de toda uma nova geração que abraçou e se comprometeu com a causa da luta socialista revolucionária. Além dessa enorme vanguarda socialista, também reanimou o movimento de massas que passou a lutar ao redor das demandas democráticas, nacionalistas e anti-imperialistas em todos os países do continente. Eram dois processos relacionados: por um lado uma vanguarda revolucionária e por outro um movimento de massas ao redor das reivindicações democráticas e anti-imperialistas que ressurgia sob novas formas de lutas, mais radicais, baseados no exemplo de Cuba. Foi ali que por primeira vez se uniram esses dois processos para produzir a primeira revolução socialista de nosso continente.
Encabeçado por Fidel Castro, nasceu um grande movimento nacional democrático contra a ditadura de Fulgêncio Batista. Este movimento tinha um grande prestígio e era apoiado inclusive por setores burgueses graças à luta de Fidel contra Batista. Ele surge anos antes com o desembarque do barco Gramma, no qual encontravam-se lutadores. Um desastre acaba matando a quase todos, com exceção de 12 combatentes, dentre os quais Fidel e Che, que iniciam a luta guerrilheira na ilha a partir do apoio dos camponeses ao decretar zonas liberadas e nelas realizar a reforma agrária. Esse movimento democrático, chamado 26 de julho, acaba por assumir o poder em 1º de Janeiro de 1959, e logo após dá passos rumo a medidas anti-imperialistas como a nacionalização das usinas, e das companhias norte-americanas que dominavam Cuba.
Nossa corrente encabeçada por Moreno, considerava a revolução cubana como “o acontecimento latino-americano mais importante deste século até hoje, marcando o começo da revolução socialista em nosso continente. Também dá origem a uma nova geração de dirigentes e tendência revolucionária a escala continental: o castrismo. São seus dirigentes os líderes indiscutidos da Revolução cubana, Fidel Castro e Che Guevara”. Com essa definição, fizemos parte dessa tendência revolucionária continental e das organizações que se formaram, primeiro a Organização Latino-americana de Solidariedade (OLAS) e depois a Tricontinental. Esse é o marco geral em que Moreno escreve o texto que reproduzimos. Mas também abarca as polêmicas que ele e nossa corrente fizeram com a direção cubana e em especial com Che. Foi Guevara quem transladou para o campo teórico e programático a experiência dessa nova tendência. Moreno criticava Guevara pelo fato de generalizar a guerra de guerrilhas como a estratégia universal para toda situação e todo país. Reivindicando a estratégia da luta armada e a guerra de guerrilha como uma de suas táticas, Moreno assinalava o engano da direção cubana por querer reproduzir a experiência de seu país em todos os outros. Era isso que inspirava grupos de heróicos e decididos lutadores a fazer diversos focos guerrilheiros, sem tomar em conta a situação de seu país e de seu movimento de massas. Isto resultou em que as guerrilhas ficaram isoladas da luta de classes de seus países. Por isso houve graves derrotas; sendo a primeira a experiência paraguaia.
Nessa época nossa corrente jogava-se em angariar apoio à experiência da luta camponesa de ocupação de terras que estava fazendo Hugo Blanco, na região peruana de Cuzco. Lá, começaram a se desenvolver tropas de autodefesa. Também insistíamos na experiência brasileira das Ligas Camponesas do Nordeste, encabeçadas por Julião. Moreno e nossa corrente tentaram por diferentes vias convencer a direção cubana dessas realidades.
Um destaque especial merece também a política para a situação brasileira nesse período. Evidentemente é muito mais fácil enxergar os processos e fazer seus balanços depois que eles tenham se dado. Mas a idéia de que a estratégia era organizar a guerrilha à parte fez com que se desconhecesse um fato de enorme transcendência para a situação Latino-americana que era a política imperialista – apoiada no setor mas reacionário da burguesia – de golpe de estado no Brasil e a conseqüente resistência do movimento da legalidade e dos suboficiais brasileiros. Dizia Moreno “que a grande tarefa era apoiar o movimento de massas brasileiros para frear e esmagar o golpe, sem depositar a menor confiança na direção de João Goulart e Brizola”. E dizia também que isso teria valido mil vezes mais para a revolução brasileira e para Cuba revolucionária do que os focos guerrilheiros, porque significava uma política e uma estratégia precisa para metade da América Latina.
Entretanto, Moreno e nossa corrente não duvidaram nunca de estar do mesmo lado da direção cubana no enfrentamento ao imperialismo. Nesse sentido, saudamos o discurso de Che na Tricontinental, no começo de 67. Nesse período o movimento trotskista e todos os dirigentes da IV internacional entendiam que a operação da Bolívia não era apenas um movimento de Che e um grupo de lutadores mas sim que se tratava de uma estratégia militar do estado cubano, que considerava a Bolívia o elo mais fraco da cadeia, onde teria de se concentrar a luta armada. Acreditavam que se houvesse a revolução na Bolívia, estaria aberta uma guerra civil continental. E, nesse caso, a nossa tarefa na Argentina e em outros países do continente seria somar-se a ela e apoiar essa guerra.
Che estará cada vez mais vigente. E sua imagem será cada vez mais encontrada nas futuras mobilizações. Em São Paulo, Brasília, Porto Alegre, como o é hoje em Caracas, na Bolívia, na Palestina ou em Beirute. Como disse um de seus melhores biógrafos “Che percorre o mundo, porque os problemas contra os quais lutou seguem sem solução”.