Está mais do que provado, até as pedras da rua sabem. No cortejo
interminável dos escândalos, basta puxar o fio da meada nos casos mais
emblemáticos. Pasta rosa do ACM, PC Farias do Collor, privataria tucana
"no limite da irresponsabilidade", mesa da Lunos do Sarney, arca do
Delúbio lulopetista, bezerro de ouro Arruda/Roriz, em todos, e tantos
outros, o caroço do novelo será sempre o mesmo. O formato atual de
financiamento privado de campanha eleitoral é fator incontrolável de
corrupção.
A cada nova eleição, a metástase se alastra. Os vitoriosos para a
chefia dos executivos (presidente, governadores, prefeitos) serão sempre
os que mais gastarem nas campanhas. Em segundo lugar, estarão os
segundos também em gastos. Uma exceção ou outra, aqui ou acolá, confirma
a regra geral. O peso do poder econômico no resultado eleitoral se
tornou ostensivo e despudorado.
Nos legislativos, a mesma história. Reduziu-se o espaço dos
candidatos de opinião, sejam eles de esquerda, centro ou direita.
Usassem macacões como pilotos de corrida, os parlamentares ostentariam
na roupa as logomarcas dos patrocinadores: planos de saúde, educação
privada, armas, tabaco, transgênicos, agronegócio, uma lista sem fim. Ao
invés de valores ideológicos e programas partidários, o ordenamento da
representação se faz pelo interesse puro das grandes corporações, como
no ideário fascista de Mussolini.
As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo.
Além de caras, se organizam de tal forma que torna impossível a
fiscalização efetiva. São pouquíssimos os países que permitem ao
candidato arrecadar e gastar fundos de campanha, tarefa que deveria ser
de responsabilidade exclusiva das organizações partidárias.
A ferocidade da competição entre milhares de candidaturas individuais
criam um quadro caótico. A justiça eleitoral só acompanha e mal
fiscaliza os gastos declarados pelos próprios candidatos. Os "recursos
não contabilizados", mistério profundo, só se revelam, em parte, na
explosão dos "malfeitos". Se a "malfeitoria" for bem feita, ninguém se
ocupará em destrinchá-la.
Outra particularidade brasileira: o peso desmedido das fontes
empresariais no financiamento de campanha. A contribuição cidadã, de
pessoas físicas, é diminuta. Além de pouco expressiva, quase residual,
ela perde legitimidade ao fornecer terreno aos laranjais. Exemplo? Luma
de Oliveira foi a maior doadora individual da campanha petista de 2002.
Na mesma época, ela desfilava no carnaval ostentando coleira onde se
lia as iniciais do marido, Eike Batista. Maravilhosa, mas laranja.
Na realidade, um seleto grupo de magnatas do poder econômico
monopoliza o financiamento de campanha eleitoral no Brasil. Grandes
banqueiros, empreiteiras gigantescas, estofadinhos do agronegócio,
mega-exportadores, os novos barões da privatização tucana e das fusões
lulistas, além, é claro, da miríade de fornecedores diretos de bens e
serviços para o setor público.
Não existe almoço grátis, dizem os práticos dos negócios. Logo, quem
investe nas máquinas eleitorais dos partidos da ordem busca retorno
certo. Obras superfaturadas, licenças ambientais criminosas, subsídios
suspeitos, sonegação, elisão fiscal, vista grossa para armações
cavilosas. Ao fim do circuito, a conta do financiamento privado é paga
em dobro pelo que vaza ou deixa de entrar nos cofres públicos. Um rombo
de tamanho incalculável. A mão ligeira do mercado, como se sabe, é
invisível.
Para quebrar tal ciclo vicioso a única saída é o financiamento
público das campanhas. Para garantir a viabilidade dos candidatos e
independência dos eleitos ante o poder econômico, além de salvaguardar o
principio da igualdade na disputa, o financiamento publico precisa ser
exclusivo. Para funcionar de maneira justa, é necessário que se
estabeleça um teto de gastos para cada cargo em disputa. Com
fiscalização rigorosa e pesadas punições para os infratores.
O formato atual perpetua o "status quo", estreita os vínculos entre o
conservadorismo político e as grandes corporações que dominam a
economia. Ao mesmo tempo, cria obstáculos intransponíveis para que
novos valores e interesses sociais conquistem espaços nas instituições
representativas. Hoje, no Brasil, governar é intermediar negócios. E o
artigo primeiro da Constituição, em deslocamento trágico, pode ser lido
de outra maneira: "todo poder emana dos financiadores de campanha e em
seu nome será exercido". Tal qual existe entre nós, o financiamento
privado de campanha é o nó górdio da corrupção sistêmica.
Por Léo Lince
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